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Revista Metrópole - Educação - Págs. 16 a 21 - Sem erro de avalização


Sem erro de avaliação

Escolas repensam métodos de AFERIR o desempenho dos alunos e colocam o centenário boletim, com NOTAS azuis e vermelhas, na rota de extinção

Brilha agora a escola que vai além da educação formal e toma o conteúdo não mais como fim em si mesmo, mas como meio para o desenvolvimento de competências e habilidades sociais, emocionais e atitudinais em seus alunos. "Eu era sempre ´do contra´. Mas, na escola, durante os trabalhos em grupos, aprendi a aceitar a opinião dos outros e já consigo dar minha contribuição sem impor minha vontade", diz Stefanie Bader, mostrando-se absolutamente consciente da importância das relações interpessoais, embora tenha apenas 10 anos de idade.

O novo aluno

O mundo está mudado. A sociedade já não é mais a mesma. Nada mais sensato, portanto, do que a escola acompanhar essas transformações. Memorizar dados e apreender conteúdos já não faz mais sentido quando as informações estão, no máximo, a um clique de mouse de distância. "Antigamente, a escola voltava-se, única e exclusivamente, à questão acadêmica porque a educação formal pressupunha apenas isso e para a sociedade, era o suficiente", lembra Maria Inês Fernandes Alvez Cruz, coordenadora do Centro Pedagógico do Colégio Visconde de Porto Seguro, em Valinhos. "Hoje, entretanto, o perfil do aluno exemplar mudou. Aluno exemplar é aquele que mantém atitudes positivas diante dos desafios, que mostra autonomia, que coopera mais do que compete e que cultua valores como respeito a si, ao outro e ao mundo. Essas competências são muito valorizadas em qualquer sala de aula porque sabemos serem condições essenciais para que o estudante faça a diferença na sociedade em que vive".

Diante dessas mudanças de paradigmas, os instrumentos de avaliação tradicionais, como as provas orais e escritas, também tiveram que passar por revisões. Peças de teatro, debates, elaboração de jornais, estudos do meio são exemplos de algumas ferramentas de avaliação de que as escolas lançam mão hoje em dia. "É importante transpor conteúdos e trabalhar a interdisciplinaridade", defende Márcia Cristina Nogueira Soligo, coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental I do Instituto Educacional Imaculada. "Hoje, embora ainda tenhamos provas individuais, trabalhamos muito com avaliações em grupo, apresentações orais e pesquisa porque acreditamos ser essencial que os alunos, mais do que apreender o conteúdo, o analisem e estabeleçam uma relação com seu cotidiano".

Por conta desse novo olhar, a angústia e o medo que permeavam as avaliações periódicas háalguns anos praticamente desapareceram das salas de aula. "Se eu tenho medo de prova? Claro que não", espanta-se Matheus Sakita, 9 anos, o protótipo do aluno exemplar, da criança que transita bem por todas as áreas do conhecimento sem nenhum estresse. "Vou participar das olimpíadas do colégio em quatro modalidades. Adoro esporte, mas gosto muito também de trabalhar com tinta e fazer esculturas em argila. Dentro da sala de aula, minhas matérias preferidas são Matemática, Português e Ciências, onde fazemos várias experiências práticas. Ah... e por falar nisso, fizemos uma bem legal com observação de células bucais em que vimos a membrana, o núcleo...". E Matheus prossegue utilizando os termos científicos com uma familiaridade que deixaria boquiaberto qualquer adulto menos avisado.
"As avaliações são superlegais na escola porque os professores dizem em qual ponto a gente precisa melhorar. Eles até falam sobre nossos erros, mas isso é sempre feito com carinho e com o objetivo de nos ajudar a enfrentar os problemas que apresentamos na sala de aula" - Natasha Bohrer, 10 anos

O recado para os pais

Ao adotar novos modelos de avaliação e pontuação, que variam de escola para escola, os educadores tiveram - e têm ainda - que superar muitos obstáculos, entre eles, sua própria formação, que seguiu moldes convencionais, e a desconfiança dos pais. Muitos ainda exigem dos estabelecimentos as "notas" do boletim e mostram-se extremamente preocupados quando o desempenho acadêmico de seus filhos não corresponde às suas expectativas.

Aos poucos, entretanto, as próprias crianças começam a mudar esta realidade."Não me importo com o boletim e não tenho medo de tirar notas baixas por causa de broncas de meus pais. Procuro estudar bastante e aprender porque sei que isso vai ser muito importante para a minha vida; diz Daniel João Sieh, com uma consciência incomum para quem tem só 10 anos de idade.

"Costumo dizer aos pais que a avaliação deve ser vista apenas como um registro comparativo da evolução de cada criança e jamais como objeto de comparação entre um aluno e seus colegas; defende Lígia Barreto Pupo Cagliari, diretora da Escola de EnsinoInfantil e Fundamental Aletheia."Entendemos a avaliação como um ato de amor. Embora as notas em valores numéricos ainda tenham importância social e a escola precise delas formalmente, a avaliação só faz sentido quando nos ajuda a perceber onde é que a criança apresenta dificuldades para que, juntos, tentemos superar os problemas".

Mas, embora estejam mais preocupados com o desempenho global da criança do que com seu brilhantismo em termos de conteúdo apreendido, nenhuma escola desdenha dessa preocupação dos pais. Até porque, ao final do Ensino Médio,o desempenho acadêmico será, sim, a chave que irá abrir aos estudantes as portas da universidade, uma contradição que ainda suscita acirradas discussões no âmbito educacional.

E, enquanto o critério de ingresso nas universidades não muda, como pretende grande parte dos profissionais de ensino de colégios públicos e particulares, todas as escolas aproveitam ao máximo o período em que as crianças transitam pelo Ensino Fundamental para trabalhar as competências e as habilidades de cada uma, tentando equilibrá-Ias com o ensino do conteúdo propriamente dito."Estimulamos a autonomia, a criticidade, a criatividade e o relacionamento interpessoal nessa fase porque temos certeza de que crianças assim preparadas terão mais facilidade para transpor obstáculos, inclusive o do vestibular´; defende Lígia. "Quando estiverem se preparando para os exames vestibulares, porque sabemos que eles terão de fazer isso durante o Ensino Médio, essas habilidades desenvolvidas durante o Ensino Fundamental certamente contribuirão para o sucesso acadêmico também".
"As avaliações individuais são muito melhores do que um boletim porque as notas do boletim não nos dizem o que é preciso fazer para melhorar" - Geovanni Sanchez, 10 anos

Uma afetiva troca de cartas

Para avaliar seus alunos, as escolas hoje adotam os critérios que lhes parecem mais convenientes, como enquadrar os estudantes em faixas, que podem variar de O a S. Ou adotam valores numéricos, que vão de O a 10. Ou ainda conceitos de A a E. Ou ainda usam definições, que vão do S (desempenho satisfatório) ao NA (mostrando que o objetivo não foi atingido).

Os instrumentos de avaliação também são os mais variados possíveis e, em alguns casos, são tão criativos quanto a abordagem dada aos conteúdos. "Neste semestre, os alunos aprenderam a elaborar cartas e os professores usaram este mesmo expediente para levar até eles a avaliação bimestral, enviando uma carta a cada um de seus alunos", explica Eliane Palermo Romano, coordenadora pedagógica do I e 11 Ciclos do Ensino Fundamental da Escola Comunitária de Campinas.

Neste "boletim" inusitado, além da apreensão de conteúdos, os professores avaliaram as atitudes, o comportamento e o desenvolvimento social de cada estudante (veja trechos da avaliação no box ao lado). E pediram aos alunos que respondessem às cartas fazendo uma espécie de auto-avaliação. O trabalho mostrou-se muito eficaz e provocou reação positiva imediata entre os estudantes e seus pais.

"Nossa avaliação sempre foi descritiva", diz Eliane. "O professor colhe dados do desenvolvimento dos alunos durante os estudos do meio, nas assembléias de classe, em trabalhos conjuntos e observa a autonomia do aluno, a forma de expressão ou sua habilidade em buscar soluções para os problemas comuns. É muito mais trabalhoso para os docentes, mas esse tipo de avaliação nos garante uma percepção global do desenvolvimento do aluno enquanto ser humano e não apenas enquanto estudante".

A nova forma de avaliar

"Querida Sofia", Como vai você? Tudo bem? Espero que consiga ler esta carta com muita atenção e que a responda com empenho e seriedade, pois os recados que tenho para você são muito importantes. (...) Nesta etapa é importante cuidar do excesso de conversas e brincadeiras em sala, que atrapalham em muito sua concentração. E isso se agrava ainda mais quando você se senta perto de amigos e amigas com os quais adora bater um papinho, não é mesmo? (...). Por outro lado, você é uma menina muito responsável com suas lições de casa, material pessoal e tem demonstrado crescimento neste ano! No entanto, seus textos, apesar de coerentes com as propostas, apresentam muitos mos ortográficos, de acentuação, repetição de palavras e falta de pontuação; alguns deles passam sem um parágrafo sequer!! É o famoso "blocão" sobre o qual tanto conversamos (...). Nosso próximo bimestre é decisivo e de muito trabalho. Será preciso que você se empenhe ainda mais do que tem feito para superar suas atuais dificuldades e continuar a crescer. Estou esperando! Um grande abraço e mil beijos de sua professora Ester""

A resposta de Sofia

"Ester, eu vou bem, e você? Eu espero que preste atenção ao ler a carta porque todas as suas dúvidas sobre mim acabaram! (...) Sobre a história de conversar em sala deaula, né? Eu vou tentar parar, mas acho que não vou conseguir, pois é o meu jeito! E nos erros ortográficos, eu vou ser mais atenta. Você nem vai acreditar, mas eu sempre reviso meus textos. Só que não ficam bons pois sou muito desatenta. (...) Eu quero que você saiba que você foi uma amiga muito especial na minha vida e eu nunca me esquecerei de você. Saiba que pode contar comigo em qualquer problema, viu?!
Sofia

(Trechos da avaliação em forma de carta, feita pelos professores da quarta série da Escola Comunitária de Campinas, e da auto-avaliação feita pelos alunos dessas mesmas séries em resposta aos professores. Os nomes são fictícios para resguardar a privacidade das avaliações).

A busca pelo modelo ideal

Apesar dos avanços, nem tudo são flores nas mudanças observadas no interior dos estabelecimentos de ensino. Como toda transformação, esta também exigirá tempo até que se atinja o ponto de equilíbrio. "Mesmo porque, o modelo tradicional de ensino tem cerca de 300 anos e as mudanças não ocorrem de um dia para outro. É preciso paciência, tanto por parte dos pais quanto por parte das escolas", ressalta a lingüista Vívian Bearzotti Pires, mestranda do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Em fevereiro de 2005, Vívian apresentará à Universidade sua dissertação de mestrado em que analisa o discurso dos relatórios de avaliação nas escolas alternativas, que ela define como estabelecimentos de ensino que não têm material didático estruturado e o produzem de acordo com as características da classe.

Segundo Vívian, essas escolas foram pioneiras no processo de transformação do ensino e, por conta disso, têm hoje maior autocrítica, lidam melhor com as questões afetivas e têm olhar mais integral sobre seus alunos. "Porém, ao fazer uma análise mais profunda, percebi que mesmo essas escolas alternativas ainda têm dificuldades em desenvolver as habilidades e competências de seus alunos por enxergá-Ias como conteúdos de ensino e por tentar categorizá-las", alerta a pesquisadora. "Portanto, não acredito que tenhamos chegado ainda a uma situação ideal".

Outro problema apontado por Vívian é que o olhar individual que a escola deveria lançar sobre cada aluno fica comprometido por conta de necessidades burocráticas dos estabelecimentos de ensino, uma vez que as avaliações são promovidas de acordo com o tempo institucional e não com o tempo da criança. "Ainda há muito a ser feito, mas acredito que estejamos avançando bastante em termos de educação", diz a pesquisadora.

No depoimento do estudante Torino Sassi Neto, é palpável essa evolução de que fala a pesquisadora. "Em minha escola, todas as pesquisas são feitas em grupos e nós trazemos para a classe os resultados dessas buscas. Juntos, eu e meus colegas escolhemos aquelas que se encaixam melhor no tema proposto para montar o trabalho. Quando alguém se sente injustiçado por não ter sido incluído no texto final, nós ouvimos seus argumentos e tentamos chegar a um consenso", conta o estudante de 10 anos, numa demonstração clara de que já domina muito bem conceitos importantes como "democracia" sem que jamais tenha sido obrigado a defini-Ios.

NOSSAS FONTES

Eliane Palermo Romano, da Escola Comunitária de Campinas, f. 3758-8500, Lígia Barreto Pupo Cagliari, da Escola de Ensino Infantil e Fundamental Aletheia, f. 3241-9397. Márcia Cristina Nogueira Soligo, do Instituto Educacionallmaculada, f,3231-7576, Maria Inês Fernandes Alvez Cruz, do Colégio Visconde de Porto Seguro, f3871-0388, Vívian Bearzotti Pires, lingüista, e-mail pb.vivian@ig.com.br

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