Folha do Estado de São Paulo - Folha Campinas - Pág. C14 - Monarco traz história e tradição a Campinas
O velho casarão campineiro que leva o apelido do músico mais famoso da cidade - Carlos Gomes-, Tonico’s Boteco, abriu as portas para receber a música desses poucos privilegiados que viram o samba nascer.
O que o compositor e cantor Monarco, nome artístico de Hildemar Diniz, fez no Tonico’s, na quinta-feira passada, foi contar e recontar a história do Brasil, do Rio capital do país, lembrando de sambas seus e de seus companheiros de roda que, praticamente, construíram a história do gênero. Paulo da Portela, Silas de Oliveira, Noel Rosa, Cartola, Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito, Candeia e Zé Keti estiveram presentes na voz inconfundível desse portelense de 69 anos.
Em duas horas de show, acompanhado pelo grupo Quarteto de Cordas Vocais, o compositor cantou mais de 30 sambas e marchas e esquentou o clima da casa.
Em determinado momento do espetáculo, quase todo o bar, que estava lotado, com cerca de 266 pessoas, estava de pé, cantando e sambando entre as mesas.
No meio de tanta música, Monarco, que já foi peixeiro e vendedor de palha de aço, ainda teve tempo de contar um pouco da história de seus compadres do Rio e, claro, da Portela. Falou da exacerbação do aspecto mercadológico que invadiu as manifestações culturais, como o Carnaval.
Desfile de escola de samba, hoje, é espetáculo e está distante de suas origens: os terreiros. As escolas nasceram dessas reuniões mu-sicais nos quintais, das rodas-de-samba, do jongo, principalmente.
Comparando, por exemplo, a cadência e o andamento dos sambas-enredo “Heróis da Liberdade” (Silas de Oliveira, Décio da Viola e Manuel Ferreira), imperiano de 1969, e “Peguei um Ita no Norte” (Demá Chagas, Arizão, Celso Trindade, Bala, Guaracy e Quinho), vencedor pelo Salgueiro, em 1993, ouvimos a diferença.
Monarco trouxe a Campinas justamente essa tradição, e as histórias de quem conviveu com a maioria dos mestres do gênero. As rodas-de-samba hoje são talvez uns dos poucos lugares onde há democracia racial no Brasil. Isso porque, nas rodas, não importa a cor da pele, o que a pessoa faz da vida, importa é que ela goste e saiba de samba. Nas palavras do próprio Monarco, lembrando de Noel, “O samba não vem da cida-de, nem do morro, vem do coração. É um pedaço da identidade cultural do brasileiro.”
O projeto Mestres do Boteco, realizado pelo bar, é importante para a manutenção e divulgação dessa tradição, assim como são importantes os projetos realizados por outros, como o Itaú Cultural, o Villagio Café, ambos em São Paulo, o Boteco do Cabral, itinerante que tem apoio do Sesc.
Casarão
O Tonico’s Boteco está instalado em um casarão do século 19. Sem laje, com um pé direito alto, a casa tem cerca de oito metros do chão ao teto. As características do lugar impedem um melhor aproveitamento da acústica, mas o visual da casa compensa o prejuízo feito ao violão e à cuíca. O local tem mais características de bar do que de casa de shows. Os garçons não param o atendimento durante o espetáculo e a conversa predomina em algumas mesas.
Informalidade é uma boa palavra para descrever o ambiente. O chope (R$2,50,300 ml) é servido em uma taça, em vez das tradicionais caldereta e tulipa. A casa tem pratos com nomes das obras de Carlos Comes, como a “Fosca”. Nos lanches, destaque para a homenagem à lanchonete carioca Cervantes, com reprodução do sanduíche de pernil com abacaxi (R$ 6,60). consagrado pela casa do Rio.