Correio Popular - Caderno C - Pág. 1 - Casa cheia para aplaudir Nelson Sargento
Leia abaixo, matéria na íntegra
Nelson Sargento é um clássico do samba. Depois de Cartola e Nelson Cavaquinho, ele é o nome mais importante da Estação Primeira de Mangueira. Em defesa das cores verde e rosa da escola de samba mais querida do Rio de Janeiro, Nelson Sargento compôs alguns dos sambas mais bonitos de que se tem notícia. Pelo menos um deles —Agoniza mas não Morre (de 1978) — merece figurar em qualquer lista que se faça sobre os 10 sambas mais importantes da história.
É assim que a Mangueira, na figura de Nelson, chega a Campinas para duas apresentações — hoje e amanhã —, no encerramento do projeto Mestres no Boteco, realizado no Tonico’s e que trouxe para a cidade os sambistas cariocas Moacyr Luz, Guilherme de Brito, Nei Lopes, Walter Alfaiate e Monarco.
Segundo Paulo Henrique Oliveira, proprietário do bar, a expectativa é de que a casa bata seu recorde de público nas duas noites de show: “O projeto aju-dou a colocar Campinas no circuito nacio-nal do samba e ampliou o público para o gênero, na cidade”, disse.
A popularidade do projeto acabou fazendo com que, um mês antes da chegada de Nelson Sargento, todos os ingressos já estivessem vendidos. Para quem não conseguiu reservar uma mesa, resta o consolo de adquirir uma das telas à óleo do sambista - que também é pintor e estará expondo e vendendo seus quadros no bar.
Correio Popular — Nelson, é um prazer falar com uma lenda viva da música brasileira. Espero que você goste de Campinas.
Nelson Sargento — Eu passei por Campinas nos anos 80 ou algo perto dis-so- Cantei no bar Ilustrada. Aliás, o bar existe ainda?
Não. Por aqui, os bons bares morrem cedo (risos).
Pois é, uma pena. Eu me lembro de ter ido como Paulão 7 Cordas. Rapaz, fez um frio dos diabos e a gente nem tinha levado agasalho. Tivemos que matar uma garrafa de Natu Nobilis para dar uma enganada (risos).
Pode ficar tranqüilo que Campinas nunca registrou temperaturas tão altas como as dos últimos dias.
Ainda bem; mas mesmo assim vou levar um agasalho, não dá pra confiar no clima paulista.
Conta aí como é que você se viu dentro do samba, Você começou no morro do Salgueiro, mas depois foi pra Mangueira. E a minha escola perdeu um compositor de primeira...
E, eu saí do Salgueiro ainda muito criança. Fui morar na Mangueira, na casa do Alfredo Português, que se juntou com a minha mãe e virou meu padrasto. Aos domingos tinha roda de samba no quintal, apareciam por lá o Cartola, o Nelson Cavaquinho, o Carlos Cachaça, aqueles malandros todos. Eu cresci assim, no meio deles. Mais tarde comecei a colocar melodia numas letras do Alfredo Português. De nossa parceria com Jamelão nasceu o samba-enredo Cântico à Natureza, um dos mais bonitos já feitos pela Mangueira até hoje. Não sou eu quem falo isso, não (risos).
Deixa de falsa modéstia, Nelson. Você sempre teve a tendência a com-por clássicos. Você é um clássico da Mangueira. Como é que a escola está tratando a velha guarda? Com o devido respeito?
Olha rapaz, vou te contar uma coisa. Esse negócio de as escolas de samba abrirem as portas para qualquer um disputar samba-enredo... Hoje em dia qualquer um pode ser compositor. E o amor pela escola se perde. Hoje você faz samba pra Mangueira, amanhã faz pra Portela, depois pra Beija-Flor Tem muita gente que não é da comunidade e se sente dono da Man-gueira, mas nem conhece a sua história. A velha guarda conhece a história da escola porque ela é a própria história, não é? (alguém toca a campainha) Espera ai que eu vou atender o homem do gás.
Nelson, além de sambista você é artista plástico. Fale um pouco de seu envolvimento com a pintura.
Eu descobri que era pintor por acaso - O (jornalista) Sérgio Cabral me incentivou, a casa dele foi minha primeira galeria. Eu gosto de pintar a favela, a roda de samba, o Rio de Janeiro, que é de onde eu venho. Estarei trazendo uns quadros para vender aí em Campinas.
Até hoje, seu samba mais famoso é Agoniza mas não Morre. Como ele foi feito?
Esse samba tem uma história engraçada. Um dia cheguei em casa de madrugada, com o pé no jacá (risos). Minha mulher, que estava doente, acordou e disse pra mim: se eu morresse você nem ia se importar, malandro”. E eu respondi no ato: “Você agoniza, mas não morre, mulher”. Ela saiu gritando: “E ainda por cima faz samba da desgraça”. Aproveitei a deixa e sai cantando o samba inteirinho, parece até que ele já estava pronto: “Samba/agoniza mas não morre! alguém sempre te socor-re/antes do suspiro derradeiro”. Virou una espécie de hino, não é?
Revivendo o samba comemora dois anos
Na segunda-feira, dia 14 de outubro, o projeto Revivendo o Samba em Campinas comemorou dois anos de vida. Fundado pelo Quarteto de Cordas Vocais (QCV), o projeto teve seu início nas rodas de samba de Sábado à noite, no Centro Cultural Evolução, que depois se espalhou pelos bares da região central, abrindo espaços até então inexistentes para o samba na cidade.
Em dois anos de projeto, o quarteto abriu shows para Bezerra da Silva, Demônios da Garoa e Velha Guarda da Portela e acompanhou Moacyr Luz, Guilherme de Brito, Walter Alfaiate, Nei Lopes e Monarco, dentro do projeto Mestres no Boteco, que termina amanhã, com a segunda apresentação de Nelson Sargento.
Para o violonista Adriano Dias, integrante do QCV, a maior contribuição do Revivendo o Samba foi fazer com que o público jovem voltasse a se interessar pelo gênero através de sambas que estão fora de mídia: “É um trabalho de resgate que visa dar continuidade à história do samba”, disse.
O QCV está em sua Segunda formação desde o início do projeto. Atualmente é formado por Adriano Dias (violão 7 cordas), Dudu Baradel (cavaquinho), Jorge Matheus (percussão geral) e Allessandro Dias (violão 6 cordas). São convidados especiais Chiquinho do Pandeiro e Edsinho do Surdo.