Correio Popular - Caderno C - Capa - Escolhido Pelo Samba
Quando o samba escolhe um artista para lhe interpretar e lhe dar continuidade, é batata: o cara já nasce marcado, com a estrela da tradição na testa, feito um filho-de-santo elegido por seu orixá. Moacyr Luz, carioca da Tijuca, é um desses escolhidos que soube construir, com a paciência característica dos definitivos, uma carreira sólida e absolutamente honesta com a história do nosso gênero musical mais brasileiro.
O samba de Moacyr Luz poderá ser saboreado hoje, no Tonico’s Boteco, a partir das 21h. Acompanhado do grupo campineiro Quarteto de Cordas Vocais (QCV), o compositor e cantor mostra seus sambas mais novos, presentes no ótimo Samba da Cidade, o quinto e melhor CD de sua carreira.
Saboroso é um excelente adjetivo para definir o que faz Moacyr. Seu samba tem as qualidades de um bom petisco de botequim e nos remete às paisagens de um Rio de Janeiro que insiste em sobreviver em meio aos Fernandinhos e aos Garotinhas da vida.
Propositalmente, seu novo trabalho deixa claro, no próprio nome, que foi pensado para ser um roteiro lirico e sentimental da cidade que ele tanto ama, com seus botecos e ruas históricas, seus monumentos e tipos folclóricos cantados em verso e prosa- “O disco é um passeio pela cidade que eu vejo e que eu vivo; fala de um Rio verdadeiro e mais humano, que ainda existe e que sustenta nas costas o peso da tradição”, confirmou o compositor, em entrevista ao Correio Popular.
Correio Popular — Em Samba da Cidade você abre o leque de parcerias, que antes estavam restritas quase que exclusivamente ao Aldir Blanc. O que motivou a decisão de incluir novos parceiros no disco?
Moacyr Luz - O samba é o gênero musical mais democrático da MPB, permite essa promiscuidade (risos). Muitas das parcerias surgiram espontaneamente, sem que eu as tivesse programado Foi assim com Vila Isabel, minha com o Martinho da Vila; a idéia veio na quadra da escola, quando eu observava a admiração e a reverência que o povo da escola devota ao Martinho. Fiquei arrepiado com aquilo e então o convidei para fazer uma exaltação para a sua escola. Som de Prata, uma homenagem ao Pixinguinha, foi feita com Paulo César Pinheiro numa mesa de bar, quando relembrávamos a obra do mestre. Briga de Família, a mais recente das parcenas, foi um desafio que propus ao Wilson Moreira, que é mais conhecido por suas inigualáveis melodias; dessa vez, ele fez a letra. Mas ainda tem parcerias com Nei Lopes, Wilson das Neves e com o próprio Aldir que não poderia ficar de fora.
Dentro de sua carreira, que começou em 1988, que importância você atribula Samba da Cidade?
E um disco de compositor, que privilegia músicas incorporadas à minha vivência. Tomei cuidado na escolha dos músicos e dos arranjos, a preocupação com a linha tradicional do samba carioca está mais presente do que nos discos anteriores. A influência dos mestres Ary Barroso, Silas de Oliveira e Pixinguinha, estão mais fortes também. Além disso, acredito que consegui dosar a minha voz, deixando-a como eu queria; porque não sou exatamente cantor mas sempre tive muita vontade de cantar meus sambas. Enfim, é um disco mais maduro do que os outros e também o que me agradou mais em seu resultado final.
Em Cabô, meu Pai, ultima faixa do CD, você diz que a tradição é moderna. Como você vê, hoje, a tradição dentro da moderna música popular feita no Brasil?
Bom, eu tenho feito a minha parte. Mas o que a gente percebe é que a música virou um produto como qualquer outro, perdeu a conotação de arte e cultura; então você tem de abrir mão de muita coisa para ganhar dinheiro e ser famoso. Os que não se vendem, não tocam nas rádios, infelizmente. Têm exceções, é claro, mas geralmente é assim que a coisa funciona. Nesse samba que você citou eu falo justamente sobre isso: que por mais que tentem transformar nossa música em mercadoria, ela sempre vai ter a alma do fundador Moderna não significa “modernosa”. E é o samba quem sempre segura as pontas da MPB.
Moacyr Lw — Lançamento do CO Samba da Cidade. Hoje, às 2W. Tonicos Boteco. Rua Barão de Jaguara, 1.373. Centro. Fone: 3236-1664.Couvert: R$ 15.