CAMPINAS/SP - DO JORNALISTA MARCOS OZORES
DIARIO DE PARIS 23 DE FEVEREIRO DE 2023, QUINTA-FEIRA
Confesso a vocês que, ao longo dos meus 70 anos, não sabia, até o dia de hoje, o que vinha a ser a sigla PFAS. Pois não é que, ao começar minha leitura matinal dos jornais, me deparo com duas matérias em destaque, tanto no ‘Monde’ como no ‘The Gardian’, advertindo que a raça humana está em sério perigo de saúde pelo fato de conviver diariamente com os objetos que contenham o tal PFAS. Só que, o tal PFA, que tem como definição “substâncias per e polifluoroalquil ( PFASs ) são compostos químicos organofluorados sintéticos que possuem múltiplos átomos de flúor ligados a uma cadeia alquila”. Essa frase faz qualquer um de nós sentir-se um apedeuta total. Preciso urgentemente da ajuda do meu amigo Cesar Ciacco, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, para interpretar tal incógnita aos comuns mortais. E da próxima vez que for visitar meu cardiologista e amigo de mais de cinco décadas, Silvio Pollini, foi perguntar-lhe se eu ainda tenho muito tempo de vida.
Mas vamos aos fatos. Os tais PFAS estão presentes em quase tudo que usamos no dia-a-dia. A sua panela antiaderente? Tem PFAS. Aquele sofá que você passou Scotch Gard? Tem PFAS. Aquela camiseta que a gordura não gruda? Tem PFAS. E aquele? Tem. E aquele outro? Tem. Tem nas embalagens dos Mac Donald, tem nas cordas de guitarra, tem até no fio dental que você usa diariamente. Ao todo, são mais de 10 mil produtos que usamos rotineiramente que carregam o tal PFAS. Pior é que o tal PFAS está associado a um montão de doenças.
Pesquisadores de várias universidades europeias associam, os tais PFAS, ao câncer renal e testicular, doença da tireoide, colite ulcerativa, colesterol alto e hipertensão induzida pela gravidez, doenças reprodutivas, de desenvolvimento, hepáticas, renais. Como meu amigo Jorge Paschoal já tirou a minha tireoide, há alguns anos, e a minha vesícula foi retirada há cinco anos de emergência, desses dois já estou livre. Mas, se os cientistas estão certos e os tais PFAS causam tanto efeito colateral assim, a humanidade deve desaparecer brevemente.
Porém, enquanto a humanidade não acaba e Paris - vista da janela do escritório - me despertou hoje com uma manhã ensolarada e quente, porém poluída, já que não choveu nada ontem, resolvi deixar de lado a preocupação com os tais PFAS e a humanidade e sai para flanar e olvidar as tragédias que se lê nos jornais, todas manhãs.
Logo após findo o almoço escolhemos roteiro hoje. Exposição da obra de Chagal Paris-New York. ‘’L’officiel de Spetacles’ dá 5 estrelas para exposição e está no topo da lista do link Exposições. Não teve dúvida. Saímos do apê até Gal. Leclerc e ai busão 38 até Chatelet. De Chatelet busão 69 destino Gambetta, ponto final na porta do Père Lachaise, cemitério mais visitado de Paris, já que nele estão sepultados desde grandes nomes da literatura, arte, ciência como também estão muitos estrangeiros como Chopin, Oscar Wilde, Rossini e Jim Morrison roqueiro do grupo The Who cujo tumulo é o mais visitado do mundo. Aqui no Père Lachaise também ocorreu os últimos fuzilamentos dos revolucionários da Comuna de Paris de 1871. Boa parte da história de Paris do século XIX está escrita nos túmulos desse cemitério. Vale visita longa. Detalhe curioso é que aqui está também o tumulo de Allan Kardec criador do espiritismo e cujo túmulo é o mais limpo do cemitério. Como o espiritismo é praticamente inexiste por essas terras dizem as más línguas que o tumulo é frequentemente limpo pelos brasileiros e brasileiros adeptos da religião inventada por Kardec.
Depois do devaneio pelo Père Lachaise voltemos a nossa ‘promenade’, isto é, em direção à exposição de Chagal o grande pintor russo / parisiense / novaiorquino. Ao chegarmos a porta do Atelier des Lumières, uma antiga fábrica que hoje abriga espaço para exposições, a fila dobrava a quadra. Era dia de visita dos estudantes das escolas públicas acrescidas por turistas relaxados como nós que não fizemos a reserva pela internet.
Como estamos em Paris, nada está perdido. Aproveitamos para caminhar pelo 11ème onde nos hospedamos por três anos seguidos num apartamento do boulevard Parmentier bem pertinho da Mairie do 11éme. Essa região é antiga região operária e fabril de Paris e de muita luta política nos séculos XIX e XX. Até hoje os moradores do ‘quartier’ mantém a firme tradição da esquerda francesa e se reúnem num espaço de uma moderna igreja católica construída numa esquina.
Hoje, no 11ém, as antigas fábricas cederam espaços para coreanos e chineses que se dividem em centenas de pequenas fábricas de costura para produção, em massa, de roupas vendidas só por atacado. Mesmo processo passou, o Bom Retiro, já que até 20 anos atrás as lojas e as fábricas de roupa eram controladas pelos judeus. Aliás, lá estão os melhores restaurantes dessa etnia em Sampa.
Depois de passar em frente ao antigo apê atravessamos a praça da Mairie e entramos a direita na Rue de la Roquette. Essa rua é especial para a boemia de hoje. Nasce na Place da Bastille e vai, como disse, até a porta do cemitério Père Lachaise num total de 2 km. Nessa rua você encontra refeições bem baratas. Dá para comer ‘assiete’ libanesa por 13 euros dividindo por duas pessoas. Tem opções de todas as etnias que você já experimentou, nas Terras de Pindorama, e aquelas que não existem no Brasil como etíope, kurda e île de Reunion, por exemplo. Além do mais você estará pisando na mesma rua onde o filosofo Jean Jacques Rosseau caminhava nos dois últimos anos de vida quando havia retornado para Paris. Rousseau dizia que precisava caminhar para poder pensar livremente e foi durante essas caminhadas que ele concebeu seu último livro ‘Les Rêveries du promeneur solitaire’, publicado pós mortem.
Nossa caminhada se encerrou na place da Bastille onde o prédio da Opera ocupa o local da antiga prisão destruída pelos revolucionários e foi inaugurada durante as comemorações dos 200 anos da Revolução Francesa, pelo governo do socialista François Mitterand. Tentamos comprar ingresso para ‘Lucia de ‘Lammemor’’ e ‘Carmem’, porém, nosso dinheiro anda muito desvalorizada e não dá para pagar 150 euros cada entrada. Além do mais mês que vem começa a temporada lírica do Municipal de São Paulo.
Com as perninhas cansadas pegamos os mesmos ônibus e voltamos para o apê.
Amanhã tem mais.
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