Campinas/SP - Domingo, 12 de maio de 2024 Agência de Notícias e Editora Gigo Notícias  
 
 
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Campinas-SP

 

O SONO DE TODOS NÓS  


Daniel Santos é jornalista carioca, 55 anos.
Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001. Atualmente publica crônicas semanais no site do Comunique-se.
Contato: daniel_santos2002@hotmail.com


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Baú de Notícias

   


Os homens chegaram cedo com as urnas e começaram a bater paus e pedras para acordar quantos deviam comparecer à votação que, a cada quatro anos, reunia multidões em algazarra pelas ruas até o fim da tarde
Vieram todos. Dos becos, dos prédios, das vilas e dos morros, as criaturas ainda sonolentas apressavam-se na direção da avenida principal, onde as filas cresciam como centopéias sob um sol que a tudo trespassava.
A gente pobre vinha com suas barrigas cheias de frustrações e os bem-nascidos bocejavam de tédio. Em comum, tinham pressa, muita pressa mesmo em votar, porque, não deitassem logo, cairiam pelo chão.
Percebia-se, de fato, uma sonolência generalizada e, em virtude disso, uma falta de atenção ao que se fazia. Nos casos mais graves, alguns tinham de ser amparados ou até estapeados para se manterem despertos.
Tinham, afinal, de preservar a mínima consciência até alcançarem as urnas; do contrário, como votar? Depois disso, tudo bem, poderiam se apressar de volta a casa e ressonar com a sensação do dever cumprido.
Abriu-se, finalmente, a porta do prédio municipal e a fila começou a andar. O primeiro eleitor não recebeu cédula alguma. Em vez disso, um dos organizadores dirigiu seu dedo à fenda da urna e ele sentiu uma picada.
Tentou retirar o dedo, mas o tal organizador insistiu que ele se deixasse picar mais vezes: dentro da urna –explicou- as caranguejeiras há muito esfaimadas precisavam do sangue que lhes renovava o poder.
O crédulo assentiu mas, ao término da doação, exangue, caiu desmaiado. Prontamente levado para sua casa, entrou em sono profundo, sem forças para protestos, sequer para simples, mínimas discordâncias.
Depois dele, um a um, cada eleitor colocou seu dedo na fenda da urna, onde as aranhas sugavam o que podiam até se locupletarem. E não reagiam! Afinal, era sempre assim. A cada quatro anos, a mesma coisa.
Após o voto, mal tinham forças para voltar para os seus, tal o definhamento. Dormiam, então. E durante os próximos quatro anos ninguém conseguia despertá-los, a não ser que houvesse nova votação.


 

 
 
   
   
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