Campinas/SP - Terça, 26 de novembro de 2024 Agência de Notícias e Editora Gigo Notícias  
 
 
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UMA MURALHA SE IMPÕE SOBRE O SILÊNCIO  


Daniel Santos é jornalista carioca, 55 anos.
Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001. Atualmente publica crônicas semanais no site do Comunique-se.
Contato: daniel_santos2002@hotmail.com


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De início, não havia o muro. Pelo menos, não lembro dele na minha infância. Eu pegava jabuticabas ao fundo da casa do vizinho e ele, por sua vez, banhava-se no riacho que passava no meu terreno, sem pedirmos licença um ao outro ... porque ignorávamos o que fosse propriedade.
Minha mãe, igualmente, cruzava aquele espaço, até então coletivo, para tomar lanche na casa da vizinha, sua melhor amiga. Levava um bolo (geralmente, de laranja) e as duas ficavam jogando conversa fora; às vezes, quase até o fim da tarde, como velhas comadres de um vilarejo do interior.
O vizinho e meu pai entendiam-se dessa mesma forma. Se um precisasse de alguma ferramenta, o outro emprestava sem qualquer receio de dano ou extravio, porque havia entre eles uma confiança recíproca na competência para consertos domésticos que costumam entreter maridos.
Mas o melhor era quando havia festas porque, aí, as mulheres invadiam sem a mínima cerimônia a casa umas das outras para pegar sal ou açúcar ou meia dúzia de ovos ou ainda pedir emprestada a batedeira. Nesse momento, então, não se sabia quem morava em qual casa, tal a confusão.
Depois da janta, nos evadíamos para a varanda dos fundos. Enquanto eu e as crianças da casa ao lado dávamos cambalhotas na grama, mamãe preparava um lanchinho rápido e meu pai junto com o vizinho conversavam sobre as estrelas como se fossem astrônomos de nomeada.
Vivemos esse abençoado cotidiano até os meus 14 anos, mais ou menos. Foi quando o garoto da casa ao lado quis, porque quis, um desses cachorros bem brabos que, além de nos mostrar dentes ameaçadores, destruía os canteiros com habitual fúria, e minha mãe perdeu suas roseiras.
Daí, a idéia do muro. Nos separamos e passamos a nos ver apenas do lado de fora das casas. Depois, nem isso: nos cumprimentávamos apenas e logo entrávamos com uma desculpa esfarrapada. Mais tarde, mudamos para a cidade e nunca mais soubemos uns dos outros.


 

 
 
   
   
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