QUALQUER LUGAR É O LUGAR-NENHUM
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Daniel Santos é jornalista carioca, 55 anos. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001. Atualmente publica crônicas semanais no site do Comunique-se.
Contato: daniel_santos2002@hotmail.com
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Minha filha, a meio já da adolescência, começa a se afastar de mim. Pensei, a princípio, que atendia ao inadiável chamado da libido e selecionava entre vários potrinhos cheios de hormônios qual deles seria seu namorado.
Mas, não! Ela se afasta para segredar a confidentes eletrônicos detalhes da sua intimidade para mim desconhecidos! Senão, vejamos.
Dia desses, por exemplo, quis saber por que andava tão amuada. Apesar de a meu lado no sofá, nada disse. Mas foi só o seu celular tocar que, para meu pasmo, a filhota se pôs a relatar à amiguinha das baladas a origem das suas agonias. E em detalhes! Durante 15 minutos de prosa, sem poupar as interjeições mais dramáticas, ela revelou o que a mim vetara!
Quer dizer, na sua fase compreensivelmente introspectiva, ela preferia se comunicar com alguém distante e de conhecimento apenas superficial do que comigo, embora estivesse o tempo todo ali ao lado, súplice por segundos de atenção filial.
Insensível como uma estranha a essa minha aflição de preterido, ela emudeceu, fechou-se em copas. Claro, isso não faz qualquer sentido. Mas o pior é à noite quando, em vez das nossas antigas conversas, ela senta-se reverente diante daquela espécie de relicário eletrônico - o pc - e fala com desconhecidos do mundo inteiro num tom elegante e cordial que não usa comigo.
Eles sabem de seus sonhos, planos, desejos, necessidades ... Quanto a mim, de nada sei!
Tento, então, conversar com ela sobre o quanto é contraditório utilizar meios de comunicação para contatar alguém distante, quando se pode conversar com alguém ao lado. Em vão. Hábil como uma fugitiva, evade-se pelas ondas eletrônicas para o improvável lugar-nenhum do ciberespaço. Pode estar no Japão, na Suécia, já não sei, já não sei ...
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