“COMUNICAR NÃO DEPENDE DA RAZÃO”, por Daniel Santos
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Daniel Santos é jornalista carioca, 55 anos. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001. Atualmente publica crônicas semanais no site do Comunique-se.
Contato: daniel_santos2002@hotmail.com
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A comunicação entre pessoas ocorre em vários níveis, e até mesmo de maneira inconsciente, involuntária, alheia ao comando da razão. Mas ela intriga mesmo quando se dá entre animais, incompreensível para nós, estimulada pelo instinto, pelas urgências do instinto, conforme vi recentemente durante visita a um amigo na sua casa isolada na montanha.
Depois de um dia cansativo, mas agradável, em que ele me levou a admirar as maravilhas da geografia local, onde riachos e cascatas umedeciam todo o cenário como numa bênção, a noite desceu com a imponência de um veredicto. Havia austeridade em cada lufada que se respirava, mas o que me impressionou aos poucos foi a aura de mistério.
No escuro, tudo ganhava inédita densidade para um animal urbano como eu e, talvez por isso, me assustei com o brilho excessivo dos olhos do cão de guarda do amigo. Ele me encarou como se quisesse dizer alguma coisa e, em seguida, emitiu um uivo aterrador; possuído, quem sabe, por um demônio da noite. Segundos depois, outro uivo, este mais demorado.
Não lhe foi necessário uivar pela terceira vez que de algum vale outro cão respondeu lamentoso. Daí em diante, vários cachorros, talvez perdidos de seus donos, passaram a uivar em uníssono, numa progressão de ecos. O cão do amigo correu ao encontro dos demais. No meio do mato, no sigilo do escuro, eles rosnavam como feras: era a reunião da matilha.
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