ENTREVISTA
MONARCO DA PORTELA
"OS SAMBISTAS ESTÃO SE ACABANDO"
Monarco é o apelido e nome artístico do carioca Hildemar Diniz. Aos 66 anos de idade e mais de 50 de samba, tem como parceiro mais constante Ratinho de Pilares, com quem compôs seus maiores sucessos: Coração em Desalinho, Tudo Menos Amor, e Vai Vadiar. A música de Monarco já recebeu reverência das vozes da maioria dos grandes intérpretes do samba da atualidade, como João Nogueira, Roberto Ribeiro, Paulinho da Viola, Clara Nunes, Maria Creuza, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho, cujo primeiro grande sucesso foi "Coração em Desalinho". Em cinco décadas, gravou apenas quatro discos. Todos lançados também no exterior. Seu último CD solo, "A Voz do Samba", de 1995, lhe rendeu um prêmio SHARP de melhor cantor do gênero. Sua música exibe a forma tradicional dos autênticos sambas de terreiro ou samba de raiz, como o próprio compositor gosta de classificá-lo. A linha melódica dolente é prato cheio para expor o belo registro vocal grave que possui.
Essa entrevista foi concedida durante um almoço no Tonico´s Boteco, que recebeu o sambista nos dias 2 e 3 de outubro como parte do projeto cultural “Mestres do Samba no Boteco”. Numa mesa de bar, no melhor estilo brasileiro, o mestre Monarco deu uma aula de samba aos presentes. Contou histórias de sambas e sambistas, falou da divertida promiscuidade entre os compositores, que vendiam a autoria de músicas quando bebiam demais, e falou da crise em que vive o samba das escolas no Rio de Janeiro.
Comunicativa – De onde vem o nome Monarco?
Monarco - Foi na minha infância em Nova Iguaçu. Uma vez um amigo meu estava lendo uma revista de quadrinhos, quando ele pronunciou esse nome. Não lembro se a palavra era “Mônaco” ou alguma outra, mas lembro que ele pronunciou “monaco”. Eu achei muito engraçado e comecei a rir. Então ele virou pra mim e perguntou: “- Tá rindo de quê, seu... Monaco?” Daí pegou. O “r” só veio depois quando eu já morava em Oswaldo Cruz. Em casa ainda abreviaram para “Naco”.
Como foi o seu primeiro contato com a Portela?
Ainda bem criança saí de Cavalcanti, bairro suburbano onde nasci, e fui morar em Nova Iguaçu, por causa da nossa situação econômica. Eram seis filhos que meus pais tinham que sustentar. Lá vivi a parte mais bonita da minha infância, aquela fase entre 4 e 9 anos, de jogar bola sem ter que se preocupar com a vida. E eu ouvia no rádio os clássicos do samba que falavam dos sambistas e dos bairros tradicionais, entre eles um de Noel Rosa que falava do Paulo da Portela e o bairro de Oswaldo Cruz. Depois que meus pais se separaram me mudei com a minha mãe para Oswaldo Cruz. Quando passei na frente de uma estação, ainda no caminhão de mudança, li lá ‘Oswaldo Cruz’ e logo me lembrei das músicas que ouvia no rádio. Conversando com alguns dos novos amigos, descobri que morava perto da Portela, e fui conhecer a quadra da escola. Logo descobri onde morava o Paulo da Portela.
Como é o seu relacionamento hoje com a Portela?
Nenhum. Tem vezes que eu fico até um ano sem ir na quadra da escola. Eu sempre desfilo porque gosto de desfilar com a minha escola de coração. Eu me afastei quando ela começou a ser invadida por pessoas estranhas à cultura do morro. Gente intelectual que queria trazer coisas de fora para dentro do morro. A cultura já estava lá.
O que é a cultura do morro no samba?
O pessoal do morro não compõe como o pessoal do asfalto. Mas o pessoal do asfalto também não faz o que o pessoal do morro faz. Por isso mesmo o próprio Chico Buarque não se mete a fazer samba enredo. Ele respeita a gente e até fala pra gente preservar essa cultura. O samba do coração, que vem pelo sentimento do artista e não pressionado pelo mercado ou por uma linguagem mais comercial. De uma forma geral, os sambas que enaltecem o amor e a natureza.
O senhor se opôs sozinho a esse movimento do “asfalto para o morro?”
A Portela é um celeiro de bambas. Não precisa de nada de fora pra evoluir. Nessa mesma época o Candeia e o Paulinho da Viola se afastaram, entre outros. Foi aí que eu fiquei chateado e escrevi o samba em resposta à Homenagem ao Malandro do Chico Buarque. (“Eu fui a Lapa mas perdi a viagem/ Aquela tal malandragem... Malandro agora é malandro com contrato, gravata e capital...”) Daí eu compus: “Um dia tu fostes à Lapa ver a malandragem/ Perdeste o tempo e a viagem/ Como teu samba diz, eu fui a Portela ver os meus sambistas e, consultando a minha lista, também não fui feliz”.
Qual a situação do samba nas escolas hoje?
A situação está complicada em todas as escolas. Não se cria mais nada. Só samba enredo. Ninguém chega na quadra e mostra um samba que compôs durante a semana. Não se vê nas escolas, amigos mostrando sambas uns para os outros. Os sambistas estão acabando. O samba de terreiro ou o samba de raiz que nós estamos cantando hoje vai contra tudo isso. Eu, o Nelson Sargento e o Wilson Moreira fazemos a resistência desse estilo que foi banido das quadras das escolas. Você nunca vai ouvir numa quadra, um samba do coração, daqueles que o sujeito faz por um amor perdido, enaltecendo as estrelas ou a passarada como o Candeia fazia.
E o samba enredo que elas fazem?
O samba enredo não tem qualidade. É feito na correria. Uma colcha de retalho que todo mundo faz um pouco. No final das contas o carnaval vira um espetáculo grandioso, mas na quarta-feira de cinzas todo mundo já esqueceu o samba enredo.
Quais são os seus planos para a carreira?
Eu pretendo continuar fazendo o samba que eu sempre fiz, conforme eles surgirem no meu coração, sem ligar para o mercado. Quero continuar fazendo o samba de verdade. Muita coisa que se toca na rádio é de mentira. O samba de verdade é aquele que aparece. Que vem do coração.
Veja as fotos do Monarco e dos outros artistas que participaram do projeto "Mestres do Samba no Boteco", clicando em galeria de fotos
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